quarta-feira, 15 de maio de 2019

Colagem, esta técnica tem história – Collage. Arte marginal?



Pablo Picasso teria dito um dia ao definir dois dos pintores mais ilustres do século XX, ele próprio e Henri Matisse: “polo Sul e polo Norte”. 

Para Picasso “A arte não existe para decorar apartamentos, ela é uma arma defensiva e ofensiva contra o inimigo”. 


A ilha - collage sobre MDF - 2014 


Já Matisse declara em suas Notas de um pintor: “Sonho com uma arte de equilíbrio, de pureza, de tranquilidade, sem temas inquietantes ou preocupantes (...) um lenitivo, um calmante mental, algo como uma boa poltrona onde se possa relaxar do cansaço físico”. 


Gioconda verde e rosa - collage sobre madeira - 2010 


Particularmente, penso que a arte pode (e deve) servir a ambos os propósitos, sempre com a sensibilidade à flor da pele, característica viva inconsciente de quem veio ao mundo com esse poder de expressão. 

Mas existe certo ou errado em arte?
Para Dino Formaggio, filósofo e crítico de arte italiano “Arte é tudo aquilo que os homens denominam arte”.                                                          

Para o nosso Cândido Portinari “O conteúdo espiritual de um quadro registra a potência da sensibilidade do artista. O lado técnico registra o conhecimento e o desenvolvimento da sensibilidade. A técnica é um meio com o qual o artista transmite sua sensibilidade”. 

Assim como na pintura, na collage o dilema é o mesmo. De caráter revolucionário, por ter surgido em um dos momentos mais terríveis da História da Humanidade, a expressão artística do recortar e colar também pode atender expressões pictóricas mais amenas. 

O belo não apenas conforta, como desejava Matisse. Contrariando a crueza da realidade, o belo exorta aquilo que realmente desejamos (quero crer), um mundo diferente. 

Piscina de bolinhas - collage sobre madeira - 2008 
  
“Collage é um gesto sobre um mundo destroçado de alguma forma. Quem faz collage não pode contentar-se com um mundo em ruína. Re-colar esses fragmentos é construir um mundo novo”. 

                                                       Fernando Fuão, autor de A collage como trajetória amorosa.

A contemporaneidade da collage permite que o artista vá mais longe, porque permite a “pintura” com imagens cotidianas. Hoje podemos “pintar” com fragmentos de fotografias, com uma gama infinda de símbolos, conceito este  inaugurado pelo surrealista Max Bucaille em meados do século XX. 


Max Bucaille - Magic Transistor 

Dedico-me ao estudo da História da Collage por acreditar que somente conhecendo e divulgando o real valor dessa expressão artística na História da Arte é que conseguiremos afastá-la definitivamente da posição marginal, na qual, a meu ver, ela ainda permanece. 

Pesquisei praticamente todas as biografias de artistas autores de collage a partir do advento das fotomontagens no final do século XIX, algumas com mais profundidade do que outras e prossigo meu intento. Mesmo assim, às vezes descubro mais um nome, como o de Dora Maar, que produziu fotomontagens surrealistas mesmo desestimulada e à sombra de Pablo Picasso, de quem foi a quarta mulher. 


Dora Maar - Cavalier - 1936

Quase que a totalidade de quem fez collage desenvolveu alguma outra arte ou atividade paralela. No início de suas biografias em que em geral consta: fulano, de tal nacionalidade, foi pintor, escultor, fotógrafo, poeta, cineasta...  Em nenhuma delas encontrei a informação de que tal artista havia sido um collagista ou que havia se dedicado à collage, como se esse item não fosse relevante, não merecesse menção. Com exceção, devo dizer, apenas, de alguns artistas de fotomontagem.

Henri Matisse, após toda uma vida dedicada à pintura, ao enfrentar uma grave doença que o impedia de produzir, descobre o recorte e a colagem. Desenhando com a tesoura, Matisse apresenta e comprova, então, que o papel da colagem na arte poderia ir muito além. O Cubismo já iniciara esse processo, mas as composições de Picasso, Braque e Gris, entre outros, ainda mantinham o papel como coadjuvante frente ao protagonismo da pintura. 


Henri Matisse - Nu Azul II - 1952 


Admiro imensamente o desbravador, artista plástico e poeta tcheco Jiří Kolář, que não mediu esforços para alçar a collage a um patamar mais técnico, desenvolvendo inclusive métodos próprios avançados. Com seu bisturi e habilidade desenvolvida no ofício de carpinteiro, ao mesclar obras célebres de grandes mestres da pintura com textos ou imagens variadas, em suas chiasmages, prollages, froissages e rollages, Kolář iniciou uma aproximação irreversível entre a collage e a pintura, dando maior especificidade técnica ao desbravamento operado por Matisse. 


Rollage de Jiří Kolář


Prollage de Jiří Kolář


Logicamente não podemos desconsiderar a importância de todas as demais incursões estéticas do princípio a meados do século XIX, mas quase sempre com o intuito de se oporem e de escandalizarem a sociedade vigente, as collages, assemblages e fotomontagens das vanguardas quase sempre se contrapunham à pintura por ser essa a manifestação artística vigente e supostamente, de certa forma, confortavelmente favorável ou omissa ao que acontecia no mundo. A classificação imposta pelo regime nazista de “arte degenerada” incluía ambos, pintores e collagistas. 
  
Produzo collages desde 1989 e, como autodidata, busco tomar contato com todos os estilos experimentados, das vanguardas cubista, futurista, dadaísta, surrealista e construtivista à pop art. Incluindo também os contemporâneos, sobretudo aqueles que buscam o novo, em uma área em que quase tudo já foi feito. 

Sem deixar de lado o trabalho autoral, implementei naturamente em minha produção algumas releituras, citações e descaracterizações de obras em pintura, fossem elas célebres ou não. É como se, mesmo inconscientemente, eu quisesse demonstrar que é possível estabelecer uma relação entre as técnicas, que é possível pintar com papel. Talvez também pretendesse deixar de ser "marginal". 

A ideia para a produção do quadro A poderosa nave louca – collage sobre MDF – 2016 veio praticamente pronta em minha mente por inspiração do quadro Azul Celeste, de Kandinsky. 


A poderosa nave louca - collage sobre MDF - 2017


Wassily Kandinsky - Azul celeste - 1940 


Dediquei três anos da minha carreira à releitura do painel central do tríptico  O Jardim das Delícias Terrenas, de Hieronymus Bosch.


Jardim das Delícias - collage sobre MDF - 150 x 150 cm - 2013

(...) “Desenhar com a tesoura, recortar as cores vivas, lembra-me o trabalho direto dos escultores… uma tesoura é um instrumento maravilhoso e o papel que uso para os meus recortes é magnífico… trabalhar com a tesoura neste papel é uma ocupação na qual me posso perder… o meu prazer pelo recorte aumenta a cada dia que passa! Por que é que não pensei nisto antes? Cada vez me convenço mais de que com um simples recorte se pode expressar as mesmas coisas do que com o desenho e a pintura…”. 
                                                                          Henry Matisse em Escritos e reflexões sobre a arte


Obs: Os quadros sem a menção do nome do autor são collages de Silvio Alvarez

 Referências bibliográficas:

Matisse Recortes – Gilles Néret
Escritos e reflexões sobre arte – Henri Matisse
Arte para compreender o mundo – Véronique Antoine Andersen
Pablo Picasso – Kate Scarborough
A collage como trajetória amorosa – Fernado Fuão
Cândido Portinari – Nereide Schilaro Santa Rosa
Kandinsky – Hajo Düchting
Dora Maar – The ArtStory  

Jiří Kolář’s collages cut up reality to devastating effect https://www.apollo-magazine.com/jiri-kolars-collages-cut-up-reality-to-devastating-effect/
Jirí Kolár – GAMEC https://gamec.it/en/jiri-kolar/



Contato Silvio Alvarez



(11) 971199050

2 comentários:

  1. Que delícia esse texto. Concordo totalmente que a colagem é marginalizada, porém o fato de usar de imagens "prontas" e/ou fragmentos de imagens para construir um universo completamente novo fosse menor. As imagens, os recortes e por fim a colagem possibilita a criança se expressar antes de mesmo do pensamento se fazer concreto.
    Enfim é um universo pouco explorado mas com infinitas possibilidades, e é fascinante percorre-lo através dos seu olhar.

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